A Educação que Adoece


Conta-se que certa vez um homem procurou um médico queixando-se de tristeza excessiva. Ao se olhar para o homem, logo era possível notar o grau de sua tristeza. Olhos murchos, corpo curvado, andar cansado e um tom de voz sem encanto. De sua boca saiam apenas sussurros, audíveis somente por causa do silêncio que se fazia no consultório médico. O paciente reclamava de ter pensamentos ruins, de estar sempre cansado e com falta de vontade para tudo, inclusive para pensar. O médico afirmou que ele deveria ouvir música, sair para passear, fazer alguma atividade física ou algo que lhe desse prazer. O paciente, sempre com a voz baixa e sem emoção, argumentou que era difícil dormi e depois que o fazia, acordar se tornava um fardo. Ouvir música? Como? Se nem mesmo sua própria voz gostava de escutar. E além do mais, se pudesse fazer tudo isso, não estaria procurando um médico. O caso era grave, mas o profissional, em uma última tentativa de solução, aconselhou que ele visitasse o circo da cidade. Contou que existia um palhaço nesse circo de nome Esbagliati, e tal palhaço animava a todos, homem ou mulher, criança ou idoso e até mesmo o mais carrancudo dos empresários caia na gargalhada depois de cinco ou dez minutos de show. Foi o primeiro esboço de sorriso feito pelo paciente ao ouvir isso, durou pouco, logo depois veio uma lágrima. O triste homem olhou sério para o esperançoso médico, e com esforço lhe disse, olhando dentro de seus olhos. Mas doutor, eu sou o palhaço Esbagliati.

Quem cuida de quem deve cuidar? A saúde dos estudantes de cursos da área de saúde é geralmente negligenciada. Na faculdade passamos por provas, noites mal dormidas, alimentação inadequada, estresse, saudade, angustia, tristeza e tantas outras emoções e hábitos que corroem o corpo e a mente dos estudantes. E quase nunca recebemos amparo por parte da universidade para que não acabemos adoecendo. A estrutura dos cursos não ajuda. Somos levados a crer que devemos encarar tudo como uma corrida, cujo final chegará ao término do curso, como se não houvesse vida pós-formatura. Nessa corrida não há tempo para olhar para trás, nem para o lado, não podemos parar para dar de beber a quem já não aguenta mais correr. Só pensamos nisso quando a sede nos ataca. A distância dos professores impede qualquer tipo de ajuda ou auxílio nesse sentido. A distância que criamos de nossos amigos, os quais são vistos em sala de aula como uma nuca, afinal nos sentamos um atrás do outro sempre olhando para frente, faz com que não tenhamos nestes uma fonte segura do cuidar. Sentimos medo inclusive de chorar na frente deles. No final criamos distância de nós mesmos, pois aos poucos vamos deixando de ser para ter. Ter boas notas, ter um currículo bom, ter aquele estágio que tanto queremos, ter uma boa orientação etc. Se éramos cantores, bailarinos, escritores, deixamos de ser. Tudo em nome de nossa profissão, como se ser médico, enfermeiro, nutricionista, exigisse de nós menos arte e mais técnica. Quando estamos longe de nós, nem percebemos o quanto estamos doentes, até que o corpo e a mente sentem sede e pedem água.

O grande problema de tudo isso é que se a universidade se propõem a ser um ambiente de ensinagem, é necessário que cuide de seus estudantes e professores. Aqui abordo pouco a questão dos professores, deixo para outra oportunidade. Mas em relação aos estudantes, parte inerente de seu aprendizado ocorrerá apenas se este se encontrar dotado de saúde. Doentes, de uma doença causada por distância, jamais trocaremos saberes ou estaremos seguros para contribuir com a academia. Com isso vamos nos tornando cada vez mais passivos, permitindo o ensino bancário de Freire, e assim perde-se a educação e passamos ao adestramento. Se percebermos bem, tudo o que nos é cobrado como dedicação, participação, contribuição e criatividade, somente é possível se nos sentirmos bem. E quem liga para o que sentimos na faculdade?

Mas então como acabamos com esse problema? Primeiramente juntos. Se pensarmos profundamente perceberemos que todo o poder da universidade está em reunir pessoas. É por isso que acabar com suas paredes e estendê-la para a comunidade inteira seria fortalecê-la. Ora, se a universidade reúne diversos indivíduos, com diferentes experiências, saberes, idades e em diferentes posições, como professores e alunos, por que não aproximar todos e promover o cuidado entre eles? Sabemos que grupos podem ser muito terapêuticos e que promover o cuidado dentro de um grupo é uma forma efetiva de diminuir a violência e promover a saúde. Patch Adams, que infelizmente ficou conhecido por conta de um filme sobre sua vida, discursa em prol de tal ideia. Não seria excelente se ao invés de cinquenta alunos em uma sala, sentados um atrás do outro, tivéssemos uma roda com poucas pessoas discutindo e interagindo entre si? Não seria bom se nossos professores pudessem nos acompanhar de perto e ver quais nossos medos e dificuldades, aflições e angustias, muitas das quais eles já passaram, e com isso traçar conosco uma rota para superação? Por que pouquíssimas vezes acompanhamos nossos professores em seus trabalhos? Por que isso só ocorre em algumas disciplinas? Por que jamais temos momentos de construção conjunta de saberes? Tudo isso poderia ser resumido em uma ideia, aproximar pessoas e não separá-las. Realçar o ser e não o ter. E como somos aquilo que compartilhamos, faz todo sentido que da troca de saberes surja o fortalecimento do grupo.

Educação é como abraço, não tem sentido fazer sozinho
 A segunda atitude a ser tomada é olhar para a universidade além de suas paredes e entender que estamos nela para um processo de construção. Tal processo jamais terá fim e precisamos trabalhar constantemente para que tenhamos energia para continuar construindo. Não é o objetivo da universidade ensinar através do medo, filtrar capazes de não capazes, moldar homens melhores, separar os mais aptos. Essas atitudes acabam criando a falsa visão de que devemos saber mais que nossos colegas, quando, mais uma vez citando Freire, ninguém sabe mais que ninguém.

Precisamos por fim transformar a universidade em um local onde nos seja ensinado a nos aproximar uns dos outros, para assim olharmos para o que somos. Essa é a única maneira de cuidar e de sermos cuidados, para que tenhamos um novo paradigma dentro da educação. Paradigma este que esteja de acordo com a máxima de que os homens se educam entre si (cansado de Paulo Freire, né?). Afinal, educação é como abraço, não tem sentido fazer sozinho.

Um abraço forte e apertado,

Luan Menezes.

Comentários

  1. Genial meu grande amigo, esta melhor a cada texto. Meus parabens. Grande abraço.

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  2. Luan, se estás com Freire, estás muito bem acompanhado. Lendo o teu texto, lembrei de uma notícia que li sobre um senhor idoso, que morrera numa viagem de avião que fazia à Salvador (Bahia). Morrera por morte natural (se é que existe isso), mas o que me chamou a atenção foram os comentários dos leitores. Salientaram a péssima escolha da empresa de aviação que fizera, falaram mal de Salvador, riram sem piedade da desgraça da família. Acho que o homem está involuindo, infelizmente e a solidariedade não mais existe. Portanto, nada mais atual e necessário do que esta maneira de cuidar e sermos cuidados. A educação é como um abraço, né? Um abração pra ti.

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