No fio

Publicado também no blog "Rua Balsa das 10"

Sabe, existem algumas pessoas que você tem certeza que são amigos de infância, mas na verdade vocês se conheceram a poucos minutos e de repente parecem que se conhecem desde a tenra existência. Pessoas especiais que basta um olhar para você ficar convencido e algumas palavras para você começar a buscar memórias, porque não seria possível imaginar que você e essa pessoa não se conheciam antes. Laços de amizade profundos criados em poucos instantes.
 

 Isso acontece poucas vezes. Certo dia fui visitar a Comunidade da Barra, ir conhecer lá, uma vila que dizem ter uns três mil habitantes, a economia gira basicamente em torno da pesca. Além do Porto que parece colocar suas garras, digo guindastes, quase que por cima da comunidade para impor a sua expansão. São pessoas que não podem construir casas porque a todo momento há a desconfiança de que alguém irá tirar deles aquele canto onde trabalham e vivem.
 

 O caminho da Barra é todo cheio de contrastes, pegando o caminho que sai do Hospital Universitário do Rio Grande até a Barra . Você sai do centro da cidade de Rio Grande, andando por trechos de calçamento e asfalto hora acompanhado pela Lagoa dos Patos, pelo Porto, pelos casebres perto do Porto, pelas fábricas, pela fumaça, pelo trânsito, pela natureza... E a Barra fica assim em uma linha divisória entre o Porto do Rio Grande e a Praia do Cassino.
 
Ida para a Barra
 

 Essa é a visão de fora da Barra. Mas de dentro é muito mais bonita e eu quis conhecer o grupo de Artesãs da Barra do qual eu já tinha comprado um chaveiro em formato de tartaruga. Quando fui conhece-las elas estavam no final de uma reunião e fiquei muito encantada com o grupo, com a força que emanava daquelas mulheres. Logo comecei a falar de um projeto que eu participava chamado “Liga de Educação em Saúde”, começamos a conversar sobre saúde logo que elas descobriram que eu era aluna do curso de medicina.
 

 Pensei que talvez se elas quisessem poderíamos tentar visitá-las com mais frequência, tentar nos conhecer melhor e que elas conhecessem o projeto. Elas disseram que tudo bem até, após uma longa conversa, mas que elas tinha uma grande encomenda de artesanato e que iriam demorar para poder nos receber. Foram várias encomendas, mas sempre íamos lá para conhecer melhor o grupo, passagens rápidas nos intervalos de algumas atividades delas no final de semana. Sempre fomos bem recepcionados, logo sabíamos o nome da maioria das mulheres e elas sabiam o nosso nome, tinham nos apelidado e faziam brincadeiras com nós.
 

 Nem bem percebíamos e depois de cruzar vários finais de semana a estrada da Barra já fazíamos parte de certa maneira daquele grupo de mulheres. Então um dia elas disseram que poderíamos fazer uma reunião que elas chamariam outras mulheres e nesse dia pensamos na nossa grande responsabilidade para conhecermos, é como se passasse uma energia estranha um misto entre animação e responsabilidade. Organizamos uma Kombi via universidade, foi difícil conseguir a viatura, mas insistimos – como sempre.
 


 Em um determinado instante nos transformamos em protagonistas juntos com as Mulheres e artesãs da Barra. Logo que conhecia líder do grupo a Susana, no primeiro dia que fui lá, percebi a força que emanava do trabalho delas. Precisou um olhar, poucas palavras e um abraço para sabermos que poderíamos confiar uma na outra. E assim tem sido, com os colegas da Liga, com os amigos de infância de pouco tempo que tenho feito ao longo desses quatro anos de medicina.
 

As reuniões tem acontecido em meio a relatos, a vivências e a intensidade que é viver. Nem sempre pude participar das reuniões, nem sempre a grade curricular e generosa com os acadêmicos. Mas nas reuniões teóricas ouvíamos o tocante viver dos relatos nas palavras dos nossos colegas. A Barra tem um quê de especial, uma teia envolvente, logo que você chega naquelas ruas de casas coloridas. E assim vamos vivendo nesse tênue fio da vida, das artesãs, da linha dos pescadores, da medicina e de nós.
 

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