Relembrando...


Hoje tive o privilégio de me lembrar como eu entrei na medicina, como foi bom e estranho se sentir uma página em branco prestes a ser preenchida com tanto conhecimento novo e instigante. Lembrei-me de como é aquela sensação de estar no inicio uma nova etapa e me deu saudade. Saudade dos inícios, saudade de quando tudo é expectativa e sonho, saudades daquela sensação que se tem ao abrir uma revista nova, com aquele cheiro de plástico novo.

Assim resolvi escrever, resolvi pegar essa página em branco e relembrar todos os momentos bons que passei na LES. Ahhhh e foram muitos, a começar pelo primeiro contato quando eu, uma monitora de anatomia e aspirante a cirurgiã, encontrei dois alunos do primeiro ano cheios de idéias malucas. Depois de um tempo, por mais que eu não quisesse ouvir e nem quisesse saber daquilo, eles foram me conquistando, acho que essa é a palavra, a LES surgiu como um romance na minha vida, eu não tive acolhida como a maioria dos alunos que hoje faz parte da LES, eu fui conquistada, eu fui dominada por um sentimento de curiosidade e de esperança.
E o segundo ano passou e eu, finalmente, não resisti e no início do meu terceiro ano de medicina fui a minha primeira reunião da Liga de Educação e Saúde. Na época, LES pra mim era Lúpos Eritematoso Sistêmico, a doença do House. Cheguei na minha primeira reunião incomodada, queria saber mais sobre aquelas idéias tão malucas antes e que agora pareciam ter tanto a ver com o que eu sentia, e claro que eu, filha de professores, irmã de duas professoras, já havia ouvido falar em Paulo Freire, porém o enfoque que LES deu pra ele foi como se um mundo estivesse se descortinado na minha frente. Repentinamente a medicina tinha voltado a ter o tom e a cor que tanto faltavam pra mim naquele momento.
Acabei descobrindo o quanto é bom ouvir aquele sujeito atrás da mesa no ambulatório, o tal do paciente, que hoje pra mim tem nome, é o seu João, pescador que toma umas caninha às vezes, mas que hoje já sabe que não pode mais, ou é a Dona Maria que tem tanto carinho por mim e me espera sempre com um sorriso largo e firme, apesar de estar em uma maca no corredor e com muita dor, eu sei que ela confia em mim e eu confio nela, e também no seu João. Hoje eu não tenho mais uma relação estritamente objetiva e profissional com os pacientes, ao contrário do que a Semiologia me ensinou, nem sempre o Porto tem razão, às vezes a dor é doída mesmo, nem sempre ela tem um caráter, talvez o caráter da dor seja o mesmo caráter da minha dor, talvez seja frustração por estar na maca ou tristeza por saber que o meu problema parece não ter solução. De qualquer forma, ter a confiança em dizer que o problema é nosso, meu e do meu amigo paciente me fez uma acadêmica de medicina melhor, me fez um ser humano melhor e eu sei que me fará uma médica melhor, mesmo eu querendo ser cirurgiã.

Um abraço, 
Clarissa Resende Corrêa

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