Desamores

Cheguei ao Asylo e logo me deparei com dona E., senhora inquieta, embalando-se constantemente na cadeira de balanço. Parecia que tinha algo a dizer naquele dia. Sentei ao seu lado e perguntei se queria jogar jogo da velha comigo. Primeiramente, negou, dizendo que não sabia como funcionava a brincadeira. Depois de explicar, e insistir, convenci dona E. a participar. Porém, apenas uma rodada foi necessária para que ela começasse a contar, a desabafar. Disse-me estar incomodada com a presença de outra hóspede do Asylo, dona Z. Indaguei-lhe o motivo e descobri que dona Z. provocava ciúmes em dona E. Surpreendentemente sincera, dona E. confidenciou-me estar apaixonada. Não por seu marido, já falecido (na verdade nunca o amou, mas sempre o respeitou), mas por alguém do Asylo. Alguém que, nos últimos dias, era protagonista de seus sonhos, seu J. Dona E. sempre dava a seu J. perfumes, cachecóis e roupas masculinos que ganhava dos netos. No entanto, dona Z. também tinha interesse em seu J. Esse fato foi descoberto por dona E. quando ela foi ao refeitório e flagrou dona Z. abraçada em seu J. para uma foto. Naquele momento, dona E. deixou de conversar com seu J. e todo o encanto se foi. Preferiu ficar quieta, remoendo sua tristeza e enclausurando seus sentimentos por seu J. Enquanto me contava essa história, dona E., de vez em quando, marejava os olhos, o que me fazia sentir um mix de empatia e tristeza. Após horas de conversa, saí de lá um tanto confusa. Estamos tão acostumados com amores e desamores na juventude que, quando nos deparamos com a mesma coisa na terceira idade, surpreendemo-nos. Aquela senhora vivia a sensação de estar apaixonada e o medo, quase que constante, de perder aquele amor. Esse último, típico da adolescência, de quem vive o primeiro amor. Dona E. era, naquele momento, adolescente pela primeira vez. Jullya Fernandez.

Comentários

Postagens mais visitadas