Sábado, 30 de setembro de 2017


Tem dias. Tem dias que acordamos só por acordar, com o simples e único objetivo de conseguir cumprir no mínimo as próprias responsabilidades. Hoje, como mais um típico sábado rio-grandino de chuva cansada, a LES fez-se presente, a princípio como uma preocupação, afinal, a anatomia está consumindo cada pedaço do aluno do primeiro ano de uma forma bem triste e responsável, e ainda teria que ir ver nossos vovôs e ainda deveria levar o melhor de mim, um riso que estava guardado por dias que para eles “seria bom” ser exposto.
Mas logo que o sol timidamente chegou a obrigação de ter a atividade prática neste dia pré-prova foi ficando mais leve, refletidamente este sentimento bom transcendeu aquelas janelas abertas por minhas colegas e irradiou cada espacinho daquela sala. Teve o “Seu Renato”, que mais uma vez, incansavelmente, rodeou a todos com seus elogios e até me disse “Ei, Ei, tira cá uma foto minha!”, e lá se foi mais um registro de um riso largo.
Aos poucos tudo foi se encaixando, nós nos aconchegamos nas cadeiras de camurça vermelha e tecido branco, nossos vovôs e vovós ao nosso lado escolhendo o brilho de um esmalte, o desenho a ser pintado ou a cor a ser escolhida. Mas isso foi só um detalhe que peguei naquelas lentes, afinal, na hora que a música soou de um piano parece que tudo ganhou vida; eu consegui sentir uma coisa boa, típica de saudade de uma infância e parei para pensar no quanto aquilo também influenciava cada um ali presente, quem tocou, quem pediu para aprender ou pra quem só falou: “vou tentar, mas só sei o dó-ré-mi-fá-fá-fá”, o som daquelas teclas fez o dia dançar.
Quando pensei que já havia ganhado meu momento registrando aqueles olhares e abraços ganhei o principal presente do dia: Dona Mariele. Possivelmente era realmente este o nome daquela senhora com mãos macias e unhas “firmes e fortes”, como as descreveu. Fiquei ali, tão encantada com seu riso que me perdi nos dados clichês de “nome, o porque está ali e o que fazer da vida”. Ela foi além. No meu levar de conversa - assumidamente não sei como sempre chego nesse ponto com algumas pessoas- ela se abriu me ensinando sobre a vida, em suas palavras: “filha, tenho câncer e não desisti da minha vida, tenho motivos pra viver”.
Não perguntei diretamente seus motivos, ela mesmo os descreveu no decorrer do assunto: três homens e uma mulher, que pouco a visita, pois “cada tem sua vida, né filha, faz parte…” mas ela pouco se importa com isso, pois seu maior orgulho é tê-los, simplesmente, tê-los. Nada além. Existe amor mais bonito que esse?. Amor que existe pelo simples fato de carinho, de ter, de saber que está bem. Sinceramente acho que este amor é falho hoje em dia. Quando, ilusoriamente, achei que já tinha absorvido toda aquela boa energia, ela se vira com os olhos sorridentes, e me agradece pelas unhas esmaltadas à um tom “clássico” e já amarra um outro assunto de como ali fez-se sua casa: “Dani, tenho meu quarto, minhas coisas, minha vidinha e melhor que isso, sempre me dei bem com todo mundo, acho que é porque eu evito ver a vida com problemas”, neste momento eu estava concentrada em seu sorriso que descreveu suas palavras e só conseguia pensar “Daniely, as pessoas ainda valem a pena”.
Ao findar das quinze horas, a correria se alastra com o aviso da “Hora do café”, foi beijos jogados ao vento, mãos apertadas, boa palavras e energias desejadas. A senhora da mão macia e do riso largo, que tem seu nome variando entre Mariele e Marineide, terminou nossa conexão da seguinte forma: “vocês fazem a rotina mudar, não é encheção de saco, pelo contrário, se você me diz que aprendeu comigo hoje com meus 78 anos, eu lhe digo que aprendemos sempre com vocês, seja com 21 ou 78 anos, o aprendizado é constante”, apertei sua mão, agradeci por aquilo e ainda me pego agradecendo.
Na despedida, ainda encontro o nosso castelhano, “Seu José”, que me avisou que sentiu saudade de nós, que da próxima vez estará ali na salinha com a gente, pediu até desculpas porque estava dormindo, e me disse tchau dizendo “olha, as obras aqui estão devagar, acredita?” e saltou ao ar mais um riso largo. E assim, ao fechar os portões da “Casa das Flores” eu respirei fundo e agradeci pelo dia, pela música e principalmente, pelos diversos risos vistos nos olhos e nos lábios dos meus amigos e dos nossos vovôs.
Um dia embebido de riso largo e da função que mais amo fazer, a de escutar. Que dia, meu caros, que dia.


Daniely Poiati.

[Daniely é extensionista da LES desde março de 2017 e está cursando o primeiro ano do curso de Medicina. Aos sábados, ela visita os idosos do asilo oferecendo ouvidos atentos e falas carinhosas].



Comentários

  1. Parabéns minha menina, minha sobrinha linda, o mundo precisa ser humanizado, orgulho de você Dany, ser humilde, humana e fazer o bem é uma davida de Deus, que ele te conserve assim para toda sua vida.

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