Relato MFC - Paulo Lima

              Durante alguns dias pude participar, aprender, entender, sentir um contexto voltado à Medicina de Família e Comunidade (MFC). Período no qual me fez ver o quão ampla é a medicina, onde alguns pilares universais que se propostos e cumpridos melhoram em muito a qualidade de vida das pessoas, impactando diretamente em sua saúde. Além de apresentar situações em que vi a importância do projeto MFC, desmistificando alguns preconceitos, bem como algumas dificuldades em sua construção e realização. Vamos comigo nesta viagem!

            Minha experiência se inicia pela escolha do estágio na UBSF da Quintinha, lugar que não conhecia, por ter um aspecto territorial mais rural pesou na minha escolha e valeu muito viu?! Tive até um tour pela Ilha dos Marinheiros após a programação de visita domiciliar nas zonas rurais próximas da Vila da Quintinha. Quando cheguei fui muito bem recebido pela equipe da UBSF, uma equipe bem estruturada que conta com: quatro agentes comunitárias de saúde (ACS), três técnicos em enfermagem, duas enfermeiras, uma segurança, uma auxiliar de limpeza, duas recepcionistas, dois médicos e uma unidade do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Essa equipe que me fez ver que, quando bem gerida e unida os resultados são os melhores mesmo com apenas um médico (em função de férias do outro) os profissionais se desdobraram para manter o atendimento à demanda que não é pouca.
Fiz questão de acompanhar o trabalho de todos os cooperadores da UBSF, como os técnicos, as enfermeiras, as visitas domiciliares e o NASF, embora tenha estado a maior parte do tempo com o médico. As enfermeiras ali me surpreenderam pelo vasto conhecimento técnico-científico sobre os casos de doenças e estado de vários pacientes, além dos muitos anos de experiência na profissão. Com inúmeras funções, elas contribuíam no agendamento, acolhimento junto ao alcançando uma ótima triagem por seus conhecimentos, o que ajudou em muito a conduta do médico perante várias situações. Foi junto a uma das enfermeiras que tive uma marcante experiência, um dia em que o médico não estava uma senhora procurou atendimento para seu irmão na UBSF por volta do horário do almoço. Acompanhei o atendimento domiciliar em que o paciente se encontrava com perda da visão após episódios de cefaleia iniciados na noite anterior, com pico durante a madrugada. Descobrimos detalhes de como começou, horário através da anamnese, verificamos sinais vitais e o paciente não estava nada bem, o que fez que eu ficasse um pouco bravo na hora. Então, falei meio sem pensar para a esposa dele: “Mas como é que ele está assim desde ontem? Com piora da dor de cabeça e perda total da visão pela madrugada e a senhora não chamou o SAMU ou algum serviço de emergência? Ainda demorou procurar ajuda!”. Para minha surpresa ela me respondeu que não conhecia o SAMU e que ficou com vergonha de chamar a cunhada/vizinha porque iria trabalhar cedo. Logo percebi que naquela casa havia um misto de simplicidade e em primeira mão eu fui insensível a isto, depois peguei uma folha em branco escrevi bem grande o nome SAMU e o número 192. Posteriormente, me certifiquei de que a senhora pudesse ler caso houvesse uma nova situação, isso me levou a analisar tantas coisas poderiam ser resolvida com Educação em Saúde. Sendo este o primeiro exemplo.
Junto ao médico pude aprender várias coisas, reafirmar e incorporar ao que já sabia, vivenciando situações que nos serão desafios na carreira médica. Como um estudante Furguiano, onde a Semiologia é bastante aplicada, não deixei passar em branco as oportunidades de realizar exames físicos, obviamente contando com a liberdade do médico e autorização dos pacientes. Eles são na maioria das vezes bem receptivos, ou seja, eu não podia ver um abdome que já queria palpar se fossem auscultas então... E nisso fiz muitos exames físicos somados a discussão dos casos, com o médico aprendi muita coisa. Percebi muitos desafios em relação a vários pacientes relacionado a casos de doenças crônicas, idades avançadas, terapêuticas, nível de escolaridade, vulnerabilidade social com doenças típicas dessas condições (ex: parasitoses, doenças infectocontagiosas). Barreiras ainda por vencer no Sistema Básico de Saúde, bem como o papel do médico em situações variadas em que se perde muito por não termos na nossa história uma cultura voltada para a Educação em Saúde de sua população. Portanto, os pacientes descompensavam suas doenças por abandono do tratamento, mesmo com uma maioria de medicamentos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Outros com tratamentos rígidos e necessários, como a Tuberculose e o HIV, que por múltiplos motivos não seguiam a risca a terapia e até mesmo aqueles poli queixosos que ansiavam apenas pela atenção do médico ou da equipe.
Desafios que fazem com que a capacidade intervencionista do médico seja posta a prova, respeitando os princípios éticos e igualitários que devem ser dirigidos a todo ser humano. Vi-me em uma situação adversa para a reflexão do meu futuro como médico, pois, a medicina para mim é a arte da intervenção seja: terapêutica, cirúrgica, preventiva e/ou paliativa, etc. Um senhor de 64 anos, tratado pelo médico da UBSF, inicialmente com suspeita de pneumonia realizou o tratamento, porém sem sucesso passou a se questionar de neoplasia pulmonar na qual necessitaria de uma fibrobroncoscopia para confirmar o diagnostico e conduta. Entretanto, o paciente não queria realizar o exame mesmo estando que os sinais e sintomas, dia após dias, estivessem mais sugestivos de neoplasia, além de que ele não explicava o motivo. Não se abria nem ao menos com os familiares, é como se ele já esperasse pelo pior e não quisesse confirmar porque já se conformara com a morte. Sei que nesse período, havia pouco mais de um ano, por mais uma vez o médico conversou com ele e solicitou novamente os exames. Porém, ainda sim ele não respondeu se iria realizar os exames para direcionar as próximas decisões, confesso que me senti desafiado e vi no semblante do médico a sensação da perda de uma vida para algo, até então, sem explicação por parte do paciente.
Outra situação me chamou bastante a atenção foi a de um senhor de 75 anos que, foi diagnosticado com neoplasia maligna de bexiga. Inicialmente, entre descoberta e tratamento, ele exigiu que os seus exames e outros profissionais envolvidos fossem indicados pelo sistema particular, pois o público demorava demais. No inicio até que ele conseguiu, porém com as recorrências que são características no ca de bexiga o financeiro dele começou a se esvair, de modo que não estava conseguindo acompanhamento com os outros profissionais. Ao retornar a UBSF com mais consciência e ajustes em relação a este paciente, hoje ele se encontra acompanhado por: uma oncologista, um urologista e o médico MFC, todos da parte pública do sistema saúde, além dos exames. Conversando com ele percebi a sua satisfação pelo atendimento que hoje ele tem, sendo o centro de todo o seu processo de diagnóstico, tratamento e acompanhamento a MFC.
Esses dias me foram de suma importância para vivências e aprendizados, que com certeza contribuirão para minha carreira. Cheguei à conclusão que se tratando de MFC, para se ter uma opinião precisa viver a experiência, muitos falam poucos vivem. Isso faz com que tenhamos muito preconceitos em relação a essa especialidade que é extremamente importante para a saúde da população e um bom funcionamento dos órgãos de saúde. Ao ver os desafios pude ver que muito se passa pela deficiência estrutural que há em nosso país no âmbito educacional estendendo-se até a Educação em Saúde. A exemplo da dificuldade do médico nas tomadas de decisões quando elas não forem as melhores ou boas, mas não acatadas; no ganhar a confiança dos inúmeros pacientes e famílias com todas as suas particularidades fomentando a promoção em saúde; no liderar uma equipe em que às vezes a opinião a ser levada em conta nem sempre vai ser do mais graduado e sim do mais experiente. E assim, permeando por várias situações, ambientes e famílias em um local de pequena estrutura física, mas grande na universalidade. Amplo na integralidade, esperançoso pela equidade que é o ser humano, mesmo o pouco que senti disso foi muito bom para renovar as forças e abrir possibilidades de um futuro.
O meu muito obrigado a Liga de Educação e Saúde (LES-FURG), a toda equipe da UBSF da Quintinha por toda a recepção, vivência e aprendizado. E a quem chegar esse relato, faça você sua vivência/experiência não deixe a fala de outros interferirem naquilo que pode ser bom e diferente para você.

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