Relato de experiência das Vivências LES - Lorena Jacob
Depois um longo dia viajando de ônibus e avião por aproximadamente 16 horas até Rio Grande, lá estava eu no dia seguinte as 7h15 da manhã esperando a van me buscar com destino a Quintinha. A história da minha vivência se inicia com a chegada do transporte e minha desastrosa habilidade para abrir e fechar a porta da van, que foi devidamente amparada com a frase “fica tranquila, já que você pega o jeito” e algumas risadas. Me sentei na janela e fui observando tudo que fazia parte da pequena viagem - casas, vegetação, estradas, ruas, animais e pessoas – de modo a observar a transição entre o urbano e o rural.
Chegamos na unidade e uma grande fila já nos aguardava do lado de fora. Diferente do que vejo em Minas Gerais ou no Rio de Janeiro, em Rio Grande alguns pacientes estavam sentados em cadeiras de praia que levavam de suas casas e bebendo o chimarrão. De início fui apresentada ao Nicolas, estudante que também estava realizando o estágio, e ao Gustavo, R1 que foi nosso preceptor e nos apresentou aos demais da unidade. Em um primeiro momento houve pouco contato e conversa com os demais integrantes da equipe, mas tal fato se reverteu ao longo da semana quando nos sentávamos juntos para almoçar ou quando saíamos para as visitas domiciliares.
Antes das consultas se iniciarem, Gustavo nos orientou sobre a importância da comunicação e do vínculo com os pacientes no contexto da Estratégia Saúde da Família. Tal orientação foi vista na prática através dos seguintes itens: escuta atenciosa, construção de um bom relacionamento com o paciente, desenvolvimento de uma compreensão compartilhada da situação, fornecimento de informação sobre a doença e a importância da adesão ao tratamento. Logo no primeiro dia fiquei encantada em ver a Medicina Centrada na Pessoa realmente acontecendo e surtindo efeito. Foi um dia de diversos aprendizados, assim como foram as duas semanas em que estive lá.
Além de aprender medicina, também conheci a cultura, os hábitos e as palavras que diferem o Sudeste (onde nasci e faço faculdade) do Sul. Aprendi o que era cacetinho, “ir aos pés”, torre de batata, dor nos nervos e “baixar”. Deixei de ser chamada de você para ser chamada de “tu” ou de “guria”. As gírias “Bah” e ‘Tche” tomavam conta do ambiente. Experimentei Croassonho, Pastel de Belém, Pastel de Santa Clara, chimarrão, o famoso Xis a até a marmita do Vando. Também conheci realidades diversas e estive cara a cara com pacientes que vivem a pobreza, a fome, o analfabetismo e a vulnerabilidade.
Li no livro “Saúde no Caminho da Roça” que para se ter equidade em saúde, o primeiro passo é o acesso. Porém, nesse aspecto, o livro já dizia que no meio rural há dificuldade no acesso geográfico, cultural, financeiro ou socioeducativo. Tais dificuldades puderam ser vistas de perto em algumas das visitas domiciliares. Uma delas aconteceu em uma tarde de segunda-feira em que fomos visitar um paciente com Doença de Parkinson acometido por um quadro de pneumonia sem melhora após uso das medicações e que já se encontrava acamado há dias. Para chegarmos em sua casa, passamos por porteiras e logo depois encontramos uma casa arejada em meio a tanto verde.
Isolados de tudo que envolve tecnologia e informação, a esposa gostaria de saber porque o esposo havia “baixado” tanto depois do quadro de pneumonia. Também queria apender mais sobre o cuidado, como fazer os curativos e saber se o esposo iria melhorar. Foi um momento de abertura para explicar sobre a evolução natural da doença e dos cuidados paliativos, antes nunca vistos por mim em um meio rural, vulnerável e de difícil acesso como este.
Quanto aos atendimentos na UBSF, as quintas feiras realizávamos puericultura e as sextas o pré-natal. Durante as puericulturas, uma grande preocupação das mães e do residente estava relacionada às anemias, algo muito comum naquela população. Como não havia garantia do aporte nutricional necessário de ferro, era mais do que comum os pacientes serem diagnosticados com anemia ferropriva. Algo que também me chamou atenção foi a demora para a realização das ultrassonografias no pré-natal. Consultávamos gestantes que guiados pela data da última menstruação e altura uterina, estavam a termo, porém, sem nenhum exame de imagem realizado.
No meio de toda essa rotina, sem falhar um dia, havia a presença do famigerado cachorro caramelo que não pode faltar em nenhuma UBSF. Era com ele que eu passava alguns intervalos de almoço e não poderia deixar de mencioná-lo aqui 😉
Termino meu relato agradecendo a Ana Clara (Cacá) pelo convite, a Isadora pela incrível hospedagem, a Liga de Educação em Saúde pela oportunidade e a todos da equipe de saúde da família da Quintinha por todo carinho, atenção e ensinamentos nessas duas semanas. Em especial, agradeço ao Gustavo por ter me mostrado a importância de ouvir e ensinar. Volto para Minas com muita saudade e com mais certeza ainda de que Medicina de Família e Comunidade é a área que desejo me especializar. É preciso cuidar de gente!
Lorenna Jacob é natural de São Gonçalo do Sapucaí-MG e estudante de medicina no Centro Universitário de Volta Redonda - UniFOA/RJ. Aventureira por natureza, aceitou o desafio e veio parar em terras gaúchas para participar das Vivências em MFC da LES de 13 a 22 de Janeiro de 2020.
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