Viagem à Cidade de Águeda - Ana Carolina Almeida

Viagem à Cidade de Águeda

Ana Carolina Da Pieva de Almeida

  Nas primeiras primeiras duas semanas de janeiro de 2020, estive acompanhando as vivências da Unidade Básica de Saúde do bairro Cidade de Águeda, em Rio Grande. Lá, tive o prazer de acompanhar o trabalho de muitas pessoas, principalmente do Tarso e do Vinícius.

No fim do primeiro dia de estágio, eu estava extremamente cansada (não pense que meu relato já começou pessimista, pois não o será). Estava exausta: entrar em um universo e sair dele no tempo de uma consulta. Segundos… O Vini vai à porta e chama o próximo paciente. Mais um universo… lá vou eu. “Haveria mais alguma coisa que eu poderia fazer por você? Não? Então, até logo, cuide-se.” Mal tive tempo de voltar de uma “viagem”, e a próxima já está sentada a minha frente, esperando a atenção que merece. Lá vamos nós novamente… Meu deus, já são horas de voltar… para depois ir a um outro destino. Assim é o dia inteiro. É tão difícil entrar na vida de alguém, ainda que seja por 15 minutos, ainda que seja superficialmente (raso, quando pensamos na profundidade de cada um). É uma “dangerosíssima viagem de si a si”, como diz Drummond, no poema “o homem, as viagens.” Eis aí a dificuldade de estar em uma unidade básica de saúde de um bairro carente. Eis aí o motivo do meu cansaço. Acompanhei a agonia de uma mãe em puerpério, cuja placenta permaneceu, em parte, no útero; um menino cuja febre persistia a despeito de quaisquer medicações; um jovem com marcas de faca nos membros inferiores; mulheres felizes com a gestação, outras, que talvez pela tenra idade, não sabiam bem o que aquilo significava. Vi jovens com moléstias psiquiátricas graves (e idosos também); gente com vontade de viver, de morrer e talvez até de matar. Uma senhora tinha medo de estar doente, sem estar; outra com a certeza de estar sã… sem estar. A cidade de Águeda chorou, sentiu dor, teve moléstias aliviadas, sangrou, esteve prestes a nascer e, também, a morrer.

UBSF Cidade de Águeda - Rio Grande/RS

             A atenção primária em saúde me ensinou muito nessas duas semanas. Me surpreendeu, ainda que eu já conhecesse seu ritmo. Percebi que o caminho que tenho a trilhar ainda é muito longo, no que diz respeito ao meu conhecimento como médica. 

            Melhor dizendo, esse trajeto será – sempre – longo, pois quando a matéria a ser trabalhada são pessoas, os aprendizados nunca serão sanados por completo e, constantemente, haverá algo para ser somado e aprimorado. Afinal, quando abrimos a porta para o próximo cliente, esse abre também uma porta para nós… e vamos, então, por veredas delicadas – difíceis, exaustivas – mas muito belas.

Ana Carolina Almeida